sábado, 27 de fevereiro de 2010

Tecnologia Assistiva?

Conceito

"Qualquer item, peça de equipamento ou sistema de produtos, quando adquirido comercialmente, modificado, ou feito sob medida, que é usado para aumentar, manter ou melhorar as habilidades funcionais de um indivíduo portador de incapacidade".
"Qualquer serviço que diretamente ajuda um indivíduo portador de incapacidade na seleção, aquisição ou uso de tecnologia assistiva". Lei Pública 100-407, the Technology Related Assistance for Individuals with Disabilities Act, 1988

Novas áreas, novos termos

O termo "Assistive Technology" é um termo novo, tanto no inglês, (idioma falado nos centros de pesquisa e desenvolvimento, em especial os Estados Unidos), como Tecnologia Assistiva, sua tradução proposta pelo consultor de Reabilitação e Inclusão Romeu Sassaki, visando criar uma uniformidade na terminologia adotada.
Quando nos deparamos com o termo tecnologia, é inevitável pensarmos em aparelhos complexos, computadores ou similares, cheios de componentes e instruções complicadas, portanto creio que cabem alguns esclarecimentos visando desmistificar essas impressões.
Afinal, o que seria a tecnologia?
O ser humano ao longo de sua história evolutiva desenvolveu uma série de habilidades que o diferenciam dos outros animais. Ao criarmos ferramentas buscamos, através de um artefato externo, ampliar e transcender nossas limitações físicas e mentais, ou seja, é a partir das nossas habilidades e das necessidades que sentimos de agir e manipular o mundo a nossa volta que criamos utensílios, sejam eles materiais de fato ou formas abstratas de lidar com conteúdos. Neste sentido, toda criação humana desde um lápis a uma teoria de conhecimento, é um tipo de tecnologia.
Agora vamos nos ater ao outro termo em questão: assistiva. Originário do "assistive" em inglês significa "o que assiste", no sentido de auxílio ou ajuda.
Talvez agora poderíamos situar o termo "Tecnologia Assistiva" como utensílios ou ferramentas criados para auxiliar uma determinada função humana na interação com as demandas do meio em que vive, seja este utensílio algo de baixa ou alta complexidade quanto a sua manufatura e envolve tanto o objeto em si (tecnologia concreta) como o conhecimento necessário no processo de avaliação, criação, escolha e prescrição (tecnologia abstrata).

Algumas distinções necessárias

A tecnologia, portanto é considerada assistiva quando usada para auxiliar no desempenho funcional de alguma atividade, diferente da tecnologia considerada reabilitadora, usada para auxiliar na recuperação de uma função perdida.
Instrumentos são aqueles que requerem habilidades específicas do usuário para serem utilizados, enquanto equipamentos são dispositivos que não dependem de habilidades específicas do usuário (óculos, por exemplo).
Pode ser feita em série e comercializada, porém quando produzida para atender um caso específico é denominada individualizada, inclusive quando se alteram dispositivos originalmente feitos em série.
Pode ser simples ou complexa, dependendo dos materiais e da tecnologia empregada para sua manufatura.
Pode ser geral, quando se aplica à maior parte das atividades que o usuário desenvolve, ou específica, quando é utilizada apenas para uma atividade em especial.

Legislação

O Sistema Único de Saúde, através do repasse de recursos financeiros aos Estados e Municípios fornece alguns produtos, porém a partir de uma padronização bastante restrita que não permite contemplar necessidades efetivas e individualizadas. Cabe às instituições representativas da pessoa com deficiência, familiares e profissionais, reivindicarem junto ao poder público a efetivação desse direito.
As empresas de seguro-saúde privadas não prevêem em contrato o financiamento de recursos de Tecnologia Assistiva em seus planos, como acontece na Europa e Estados Unidos.
Infelizmente a área de Tecnologia Assistiva é um dos alvos preferenciais das práticas clientelistas, onde um direito do cidadão adquire uma conotação de favor político em troca, muitas vezes, de votos, ou ainda na utilização irresponsável da mídia, perpetuando valores caritativos e um estatuto social negativo relacionado à deficiência.

O que avaliar?

O objetivo da Tecnologia Assistiva é "proporcionar o maior grau de independência possível ao indivíduo portador de incapacidades nos aspectos cognitivos, acadêmicos, profissionais e vocacionais, proporcionando uma melhora na qualidade de vida desse indivíduo."(MELLO, sd, p.2).
Um dispositivo de tecnologia assistiva, então é algo que auxiliará um determinado indivíduo a realizar uma determinada tarefa.
O sucesso no uso de um dispositivo será a combinação entre o desempenho do sujeito e o do aparelho. Quanto mais desenvolvermos as habilidades do sujeito, menor será a complexidade do dispositivo necessário, portanto o uso de Tecnologia Assistiva não substitui as práticas de reabilitação. É conhecendo bem quem é o sujeito que se apresenta, qual tarefa ele precisa realizar, onde e com quem, que é possível pensar e projetar um dispositivo de tecnologia assistiva.

A tecnologia assistiva no contexto escolar

Refletir a respeito do uso de tecnologia assistiva em uma escola parece ser algo simples, pois a princípio uma das variáveis da relação homem/tecnologia está explicitamente definida: o local. Porém, será que conhecemos esse local o suficiente? Se pensarmos simplesmente nas características físicas, creio que sim. Mas e os outros fatores que caracterizam um ambiente, aqueles fatores subjetivos que fazem com que nos sintamos bem em alguns locais e não em outros?
Pensando na nossa clientela, composta por indivíduos que praticamente não têm acesso à reabilitação sistemática, que apresentam uma série de déficits que poderiam ter sido minimizados e que têm um grau significativo de dependência física e motivacional, será que um simples dispositivo de tecnologia assistiva que, conforme exposto por ROCHA (1997), aparece "como algo externo e concreto que tem uma solução em si mesmo, refletindo uma visão mágica da sociedade em relação à tecnologia", é o suficiente para proporcionar ao aluno o contato com o processo pedagógico?
Se a escola não tiver claro quem é sua clientela e o que espera para ela, e não conhecer o sujeito a que se propõe receber, (não apenas em seu nível de incapacidade, mas nas alternativas que esse sujeito cria para perceber e agir no mundo), como formará um cidadão, finalidade última da escola?
Os dispositivos de tecnologia assistiva na escola situam-se como interfaces, entre um sujeito e as tarefas que ele precisa realizar em sala de aula, tais dispositivos não tornarão o aluno com alguma incapacidade mais próximo do padrão de normalidade e nem farão com que esse aluno se encaixe nas metodologias de ensino regulares.

Desenvolvimento Motor e Cognitivo na Paralisia Cerebral

A criança inicialmente desenvolve-se pela manipulação do mundo, observando, buscando, pegando, cheirando, ouvindo, tendo sensações corpóreas, diferenciando-se do ambiente, relacionando-se inicialmente com a mãe, depois com o pai e com seus pares, e simultaneamente equacionando todas essas variáveis. Assim ela constrói uma série de noções que servirão para organizar seus atos, pensamentos e sua individualidade em todo seu ciclo de vida; sua inteligência inicialmente é prática.
Agora imagine uma criança que desde o início de seu desenvolvimento tenta manipular o mundo, mas não consegue comandar adequadamente seus movimentos. Tenta pegar um brinquedo e ao invés de alcançar seu objetivo ela se depara com um reflexo que torna seu corpo rígido e projeta seus membros para o lado, ou não tem força suficiente para sustentar esse movimento.
Ou quando quer chamar atenção de um adulto, mas não consegue imitar as palavras que ouve, pois não consegue controlar seus músculos responsáveis pela fala.
Ou quando as pessoas em sua volta não têm paciência para esperar ou tentar entender suas respostas.
A criança com PC enfrenta desde muito cedo essas situações que são decorrentes e concorrentes ao quadro motor e influenciam a execução das suas atividades cotidianas: são dificuldades na realização dos movimentos voluntários aliadas às alterações de sensibilidade, promovendo uma interação alterada com o meio e resultando em alterações de imagem corporal e representação mental dos seguimentos corporais, alterações de campo visual, coordenação viso-motora, noções de ritmo e pouca motivação (decorrentes da própria vivência do "ser diferente"e de experiências motoras mal sucedidas), além da resposta que esse meio lhe dá, como ele a acolhe.
Por exemplo, uma criança com controle cervical incompleto que não consegue levantar suficientemente a cabeça mantendo-a sempre na mesma posição, pode ter dificuldades na construção de profundidade do campo visual, portanto é necessário que os estímulos do ambiente sejam posicionados de forma a desenvolver não o controle cefálico por si só, mas as funções desse controle.
Essas situações estarão presentes no desenvolvimento da criança com Paralisia Cerebral e são nelas que devemos atuar para que a criança possa desenvolver-se plenamente e construir suas habilidades de interação com o mundo externo, nossa função é estimular e facilitar com assistência estas interações.

Para conhecer mais
Em português:

Em inglês:

Referências Bibliográficas

ABPC - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PARALISIA CEREBRAL Paralisia Cerebral - Aspectos Práticos, Editora Memnon, São Paulo, 1998. 390p.

ARTIGIANI, Giovanna A Terapia Ocupacional e os portadores da Síndrome do X Frágil, mimeo, Florianópolis, 2001. 11p.

BENETTON, Maria José A História - apostila da disciplina Fundamentos de Terapia Ocupacional II, USP, São Paulo, sd. 38p.

BENETTON,Maria José A Terapia Ocupacional como instrumento nas ações de Saúde Mental, tese de doutorado, UNICAMP, Campinas, 1994.

CDP-TO/USP - CENTRO DE DOCÊNCIA E PESQUISA EM TERAPIA OCUPACIONAL DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Estrutura Curricular do Curso de Graduação em Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, USP, São Paulo, 1995. 8p.

MANN W.; LANE, J.; Assistive Technology for Persons with Disabilities - The Role of Occupational Therapy - William C. Mann and Joseph Lane, The American Occupational Therapy Association, 1991, traduzido e adaptado por MELLO, M. A. F. ; O Papel do Terapeuta Ocupacional no uso de Tecnologia Assitiva para a disciplina fundamentos de Terapia Ocupacional I, USP, São Paulo, 1997. 4p.

MELLO, M. A. F. ; SALVAPÉ - PRODUTOS ORTOPÉDICOS LTDA. Seating - Adequação postural para o usuário de cadeira de rodas, apostila, São Paulo, sd. 25p.

PARHAM, L. D. ; FAZIO, L. S. A recreação na Terapia Ocupacional Pediátrica, Editora Santos, São Paulo, 2000.

REATA - LABORATÓRIO DE ESTUDOS EM REABILITAÇÃO E TECNOLOGIA ASSISTIVA Roteiro para relatório e avaliação do paciente, CDP-TO/USP, sd, 2p.

ROCHA, Eucenir Fredini Mesa-redonda recursos tecnológicos e equipamentos, palestra proferida no V Congresso Brasileiro de Terapia Ocupacional, Belo Horizonte, 1997. 8p.

TAKATORI, M. ; MOTTA, M. P. A assistência em Terapia Ocupacional sob a perspectiva do desenvolvimento da criança in DE CARLO; BARTALOTTI (orgs.) Terapia Ocupacional no Brasil - Fundamentos e Perspectivas, São Paulo, Plexus Editora, 2001. 181p.

Ana Cristina Fagundes Souto Terapeuta Ocupacional pela USP, atuação nas áreas de neurologia e saúde mental com crianças, adultos e idosos. Participante do TANGRAN - Grupo de Intervenção e Estudos em Terapia Ocupacional.

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